Noé
Junho 03, 2014
JFD
A Arca de Noé é uma das narrativas bíblicas mais poderosas ao colocar a falência da humanidade em palco. Com a carga dramática própria da mitologia judaica e bíblica, o mito de Noé tal como a Maça de Adão e Eva ilustra a queda da humanidade, o seu mal mais frágil. No presente caso há o confronto entre a humanidade com livre arbítrio e os animais que são todavia os inocentes. A humanidade que toma a Natureza por adquirido e sob a qual procura impor o seu controlo mas que se vê diante da tempestade incontrolável - a vingança da natureza contra a criatura predadora.
Noé é, então, um filme forte, bem produzido e com intensidade dramática adequada à narrativa. Pelo viés positivo destaco a crueza dos fatores humanos - o confronto dos que buscam a salvação na arca (liberdade cinematográfica mas que cria enredo e realismo) e que são levados ao extremo de violarem e se alimentarem de bebés e mulheres e que trazem imbuída a noção de pecado e queda humana -, o chamado de Noé através de sonhos, o que torna verosímil, as rebeliões dos filhos, a presença de Tubalcaim na Arca - que permite expressar a ideia de tentação, e a solução de colocar os animais a dormir. Pelo viés negativo, a interpretação dos anjos caídos como gigantes de pedra é demasiado nórdico-europeu caindo num imaginário próximo ao explorado por Tolkien.
Apesar das liberdades cinematográficas há uma interpretação de certas passagens da narrativa que apontam para um maior realismo dos dados e que vai ao encontro da clássica ideia de renovação, revitalização e ressignificação dos mitos.